Guardei o livro na estante, insegura, duvidosa e solitária, bebi o último gole de vinho e deitei no sofá olhando para o teto daquele jeito que sempre olho quando estou sofrendo. “Um troço qualquer morreu, num corte lento e profundo, entre você e eu”: a trecho piscava e insistia em não sair da minha mente. Insegura, incompreendida, eu e a parede descascada. Então, diante de tanto atormento, pensei em te ligar pela décima vez – só hoje. Uma lombra bateu. Torta e levada pelo teor alcoólico do vinho barato, vi a tua imagem perfeita em minha frente e como quem segue uma aparição sacra, comecei a entrar e sair dos cômodos da casa, te escoltando, onde quer que você fosse. “Espírito, saia daqui, me deixe viver”, clamava. “Agora é tarde demais, é tarde demais, tarde demais”, ouvia a resposta, como um assombro, em eco. Morta-viva-morta, nem eu sabia mais o que era vida, quem era o assombro. O meu corpo continuava inerte no sofá, olhando sempre para o mesmo ponto no teto, míope, depressiva e retraída de paixão...
sábado, 28 de março de 2009
A maldição do anel... Parte II
Não recebo mais anel de seu ninguém, entendeu?
A minha coleção de relacionamentos que não deu certo, com anel, desfaço e faço questão de jogar na fogueira.
Grata.
A minha coleção de relacionamentos que não deu certo, com anel, desfaço e faço questão de jogar na fogueira.
Grata.
Último carnaval
Só hoje encontrei a senha do meu e-mail antigo. Eu já tinha feito o esboço dessa carta. Resolvi que seria assim, por papel, que mais uma vez iria te procurar. Desde que apaguei meu perfil no orkut e meu fotolog, nunca mais trocamos uma mensagem. Não tenho usado nenhum tipo de messenger e nunca mais abri meu skype. Você jamais me passou seu telefone e também nunca pediu o meu. Enfim, não havia como a gente se comunicar.
Não sei como contar que eu não morri. Não tenho idéia de onde surgiu essa história. Quando percebi, o enterro já estava marcado, túmulo encomendado e as coroas de flores chegando. Tão lindas e tão caras. Ganhei um obituário de uma página no primeiro caderno do jornal de domingo e a metade dos classificados eram mensagens lamentando a minha “precoce partida”. Meu velório foi concorrido e demorado. Por fim, minha família que nem é judia se trancou com setes dias seguidos dentro de casa em luto. Só saíram para a missa na catedral metropolitana com o cardeal arcebispo.
Fiquei confuso com a situação, mas não posso mentir: eu fiquei deslumbrado com tudo. Minhas melhores fotos no jornal, “tão jovem e bonito para morrer”, lamentou uma leitora da seção de cartas. Até no busto de bronze no jazigo, fiquei bem. Como eu poderia simplesmente dizer que era tudo um engano, que eu estava (estou) vivo, mesmo que gordo e com alguns anos a mais na face? Não dava. Tinham eternizado a minha imagem. A mesma que ficou para você naqueles três dias de carnaval que passamos juntos numa praia na divisa entre o Espírito Santo e a Bahia. Morto, era como se aqueles dias fossem intermináveis, em loop.
Não sei se agora você ainda lembra. Mas, eu nunca esqueci. Você foi meu grande e eterno amor de carnaval. Sazonal, mas intenso. Espero muito que um dia a gente volte a se corresponder e que você entenda tudo o que fiz, ou melhor, que deixei de fazer. Anseio que você entenda meu encantamento por essa morte falsa, porém onírica. E que também compreenda que tive receio de que, depois de terem feito esse luto por mim, não quisessem chorar mais uma vez quando, de fato, eu morresse. Você não tem idéia de como é triste um funeral vazio. É como se a gente não tivesse morrido.
Um beijo com saudade,
H.S
Vitória, 13 de Março de 2009.
"Leo Viso... Visionário que consegue captar a essência dos momentos mais intensos da vida nossa de cada dia! Belo texto"
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