quarta-feira, 16 de junho de 2010

Na busca de acordar de sonhos intranqüilos*


Ninguém chega a resoluções definitivas. A água parada guarda o cheiro do que ainda nem se pensou. São baterias de exames que demoram a resultar na paz esperada por aqueles que só aprenderam a amá-lo. Sentimento que não poderia ser outro já que o ser que o inspira é dotado da mais branda ternura, da mais ampla bondade.

Sábio que pouco fala. Silêncio que guarda constante doçura, que de tão doce ficou impossibilitado de se alimentar com açúcar. Rês, mato, cancela, chuva e sol, tudo junto para dar ritmo a uma vida embalada pela presença constante da flor.

Pai de muitos e um amor igual, seja para o menor quanto para o mais velho. De sentimentos intensos, mas poucos divulgados. Ama a música, os livros, os bichos e quando o mundo escurece se preparando para a trovoada. E quase ri quando acorda e avista ruas e esquinas com rastro d’água.

É puro como criança, embora sempre tenha sido senhor de suas decisões. É com essa verdade que conduz sua caminhada. É assim que ao longo de seus 84 anos ainda imprime o ritmo de quem o tem como um homem que não cabe na imensidão.

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*Título inspirado no disco “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos” do cantor e compositor Otto, assim como, na obra “A Metamorfose”, de Franz Kafka.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

"Compilação"


Não existe complicação.
Só contradição.
É amor.
Velado, mas é amor.
Sempre, sempre e sempre.

"Ainda me tens
E bem por isso
destila em mim
teu peso enorme
e no poema
que te dedico.

Meu triste corpo
ainda uma vez
Chora comigo
Chora comigo"

Hilda Hilst

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Chama e Fumo



Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

Manuel Bandeira, Teresópolis, 1911

domingo, 6 de junho de 2010

De vinho...Poesia...Ou virtude


Lilás Malbec - óleo sobre tela - 70X60cm - Patrícia Moreira

”....E SE UM DIA, NOS DEGRAUS DE UM PALÁCIO, NA ERVA VERDE DE UMA VALETA, NA SOLIDÃO BAÇA DO VOSSO QUARTO, ACORDARDES, JÁ SÓBRIOS, PERGUNTAI AO VENTO, À ONDA, À ESTRELA, À AVE, AO RELÓGIO, A TUDO O QUE FOJE, A TUDO O QUE GEME, A TUDO O QUE ROLA, A TUDO O QUE CANTA, A TUDO O QUE FALA, PERGUNTAI: "QUE HORAS SÃO?" E O VENTO, A ONDA, A ESTRELA, A AVE, O RELÓGIO, RESPONDER-VOS-ÃO: "SÃO HORAS DE VOS EMBRIAGARDES!"
PARA QUE NÃO SEJAIS OS ESCRAVOS MARTIRIZADOS DO TEMPO, EMBRIAGAI-VOS SEM CESSAR."

DE VINHO, DE POESIA OU DE VIRTUDE, À VOSSA ESCOLHA.

Charles Baudelaire

sábado, 5 de junho de 2010

Brisa



Por mim passavas
– a água mais pura –
e eu sofri sede.

[Manoel de Barros]

Queria ter nascido árvore. Não rebentar de tristeza e nem parar quando o susto pede para correr. Confio poucos nos homens, sempre me pareceram invejosos e um tanto arrogantes. Gosto mesmo é de bicho, seja lá ele qual for. Mas vejo com espanto, que mesmo inundados de pureza, ainda assim, sofrem com dores e chagas que eles nem sabem de onde vêm nem por que vão. Só se encolhem e esperam que ela se vá ou que um humano “semi-bicho” [aquele que faz da dor alheia a sua dor] acolha-o e desvie a sua agonia. Penso na Brisa, no seu cheiro, nos seus olhos levemente tristes e oblíquos. Procuro uma resposta para os males e ela se fecha em uma gaveta sem chave. Mas quero crer no bem, na recuperação e na paz que virá num breve depois. E na concisão de um átomo, sem ninguém se aperceber, continuar a envolver ternamente dois seres que de tão diferentes se tornaram UM.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

"... em torno dele soprava o vazio em que um homem se encontra quando vai criar. Desolado, ele provocara a grande solidão. (...) E como um velho que não aprendeu a ler ele mediu a distância que o separava da palavra."

Clarice Lispector

Partindo


Estou partindo amanhã
Deixarei para trás o regaço
Partirei no ônibus primeiro
Ocupando lugar algum.

Deixarei o que não foi meu
Amor roubado de “calada noite”
Farei brotar em meu jardim
Sonhos e flores..
Que encham de encanto a minha estrada de volta.

Estou partindo ..

Mas levo comigo a melodia do teu sorriso..
O seu olhar de fazer sorrir...
Teu jeitinho de cantar feliz sorrindo...

Ah!
Caminharei para o céu
O elo com o paraíso
E quando lembrar-me de ti
Deixarei que dos meus olhos surjam lágrimas
Libertando a saudade.

Estou partindo amor meu ..
..Sem tristezas ..Sem pesar
Irei à minha presença
Entregando o meu ser
A esta estrada que se chama solidão.

Patrícia Moreira

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Hello, Stranger


Mesma:
casa,
cama.
Mesmos laços.
Filmes, mais gargalhadas.
Lágrimas compartilhadas.
Independentemente cumplices.
De amor,
de histórias,
de toques e olhares.
Trocas nessa vida.

Eram.
Erraram.
Subitamente estranhos.
Sem mais cheiros,
noites em claro,
choros e lua cheia.
Estranharam-se.
E depois...
Mais nada!