domingo, 24 de maio de 2009

Ah! Bruta flor do querer

Se eu sei o que quero?
Se eu sei o que quero com você?
Se sei?
Não exatamente...
Sei que quero ser como todos os mortais: os estudantes de cursinho, os cobradores de ônibus, jornalistas ou funcionários públicos.
Ao sair do trabalho, quero te ligar ainda descendo as escadas, ofegante, respirando paixão e saudade.
No caminho de casa, ouvir qualquer música e ter certeza que é a nossa música.
Quero que ilumine os meus sábados e domingos com a sua presença e programação.
Na pior das hipóteses, ir à missa. Você já me disse que acha que me faria bem.
Quero dormir abraçada contigo e acordar mais abraçada ainda.
Sentir meu braço adormecido por ser sua almofada, me incomodar, mas não abrir mão de sentir o seu cheiro assim tão perto.
Numa mesa de bar com vários amigos, conversando besteiras e rindo, quero saber que do outro lado da cidade tem alguém, que independente de onde eu esteja, vai estar lá. E que sempre que eu pensar, vou sentir um friozinho por dentro, sabendo que mesmo distante estarei na sua presença.
Na padaria, no carro ou no meio da rua, quero ter uma vontade violenta de te beijar. E te beijar, assim que possível for.
Acho que sei o que quero.
Você.

sábado, 23 de maio de 2009

Cia. Teatral Farinha Seca encena Mar Lírico de Nelson Rodrigues


Depois de ter seis indicações para o Prêmio Lázaro Ramos, no V Festival Intermunicipal de Teatro Amador (FITA), das quais levou três troféus, que a Cia. Teatral Farinha Seca iniciou, em 2008, o processo de montagem para o espetáculo Senhora dos Afogados, peça mítica de 1947 do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). Para a montagem, a Companhia optou pelo 3º e último ato – a tragédia é dividida em três -, e lançou mão dos espaços convencionais para experimentar nova linguagem naquele que, talvez, tenha sido o melhor espetáculo do grupo.
Há um mês em cartaz no auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Euclides da Cunha, Senhora dos Afogados surpreende pela inovação fotográfica e lírica. A tragédia, cujo enredo se passa nas proximidades do mar, traz a família Drummond e as sucessivas tragédias que acometem seus membros para o centro da cena. A fidelidade conjugal de 300 anos é abalada em meio às circunstâncias do desejo transgressor nascido entre os membros daquela família tradicional, oriunda de um passado obscuro.

Neste espetáculo, as impressões pessoais de cada espectador se tornam mais agudas em consequência da quebra da quarta parede (assim chamado a divisão entre ator e plateia como se as cenas estivessem se passando no interior de uma sala, de um quarto) e ele, o espectador, é convidado a fazer parte do grupo de curiosos vizinhos que rondam a malograda vida dos Drummond.

O mar – vivo e manipulador -, pois ele é também personagem, alcança seu lirismo quando é posto em cena pelo corpo dos seis atores que formam o elenco. E não basta dizer sobre a força poética da luz, nuançada entre o claro/escuro, vermelho/azul, e da construção da música, produzida pelo canto remoto feminino e, ainda, o som gutural dos ventos que sopram sobre o Café do Cais, onde o 3º ato é ambientado, feito pelos próprios atores.

Para o espectador Inamar Coelho, Senhora dos Afogados deixa a platéia anestesiada. “A farinha seca é composta por alquimistas, já que transformam dificuldade em arte. Aliás, eles respiram arte. Tem que ver. Os gestos, as expressões, as falas, as vozes, a luz, o som, tudo em simetria com a estética que caracteriza a arte. Falar do texto de Nelson Rodrigues só é necessário, neste caso, para mostrar a ruptura operada pela Farinha Seca no sentido de deixar de lado o erotismo e/ou a pornografia, e até mesmo o dramalhão, que vários outros preferiram fazer emergir do texto, para exibir, em um ato, toda a arte possível, nele inerente. Falar dos atores, do mesmo modo, só é possível para elogiar sabendo que as palavras, quase sempre, não serão suficientes. A Farinha seca é um tapa na cara da sociedade: sem teatro, sem apoio, sem verba, sem incentivo, sem platéia, sem... fazem arte da melhor qualidade. Senhora dos Afogados é uma experiência ímpar”, disse emocionado.

A peça é atemporal e moderna, e atravessa a estética rodriguiana com sutileza e radicalidade.

Maria Karina

terça-feira, 5 de maio de 2009

O amor e o tempo


Era 08 de agosto de 1996 quando Emanuel Teles de Matos beijou-me pela última vez. Lembro como se fosse hoje. Estávamos na sala de jantar da nossa vila de sentimento e as janelas enquadravam as densas emoções do domingo no parque. Era noite e recordo que soprava um vento chuvoso que mexiam as folhas. Neste dia então, Emanuel que arranjava propositadamente mal as palavras, foi-se. E me deixando sem compreender o que acabara de dizer, despediu-se.

Logo de manhã, com a cabeça ainda voltada para a parede, eu já sabia como estava o tempo. Aliás, foi, sobretudo, do meu quarto que percebia a vida exterior durante essa época. Longos dias e incansáveis noites se passavam sem que alguém notasse o meu estado de espírito. Agonia que matava os meus outros “eus”, sem que ao menos eu fosse consultada. Essa contenção de espírito, essa discussão interior, dava a dimensão desse amor solitário.

Passado alguns meses, cruzando as mesmas ruas, enfim nos encontramos. Fisicamente ele mudara. Seus longos olhos castanhos não tinham guardados a mesma forma, continuava sim da mesma cor, mas pareciam ter passado ao estado líquido, a tal ponto que quando os fechava era como cortinas que nos impede de ver o mar. Não houve somente mudanças de tempo lá fora, ou no corpo modificações de odores, mas sim uma diferença de comportamento. Despedimo-nos sem trocar palavras, fazendo-me assumir o encargo por demais pesado, forçando-me a viver ausente de mim mesma por causa de sua presença contínua, e assim privando-me para sempre das alegrias quotidianas.

Depois, na vida, Emanuel vira que a fórmula apática em que estavam os seus sentimentos, não possuía a mesma força que imaginara. Verificou-se após quatro longos anos, que por mim guardava a mesma doçura, pureza e paixão de outrora. Mas, como sempre foi de sua arte conhecer-se tão pouco a si mesmo, não pude interpretar se havia intervalo verdadeiro entre o que se passou e o momento em que voltava aquele vicioso desejo de me encarar. De maneira, que essas sensações tão minhas conhecidas, com qualidades e defeitos tão nitidamente gravados, entravam em contradição.

Mas, podia eu reencontrar aquela fresca e misteriosa face sem que o meu coração disparasse? Ah... Não mais recordar os solitários dias estendidos a fio em minha cama. Entretanto, os consigo lembrar. E isso, dá-me a impressão de uma repentina mudança, como se estivesse olhando fixamente para um lugar e num piscar de olhos uma flor tivesse sido colocada ali.

Fechando os olhos, perdendo a consciência, ele tinha o meu olhar, as minhas mãos, tinha a mim e o sentimento, o que não se dava quando eu estava acordada. Com efeito, eu não podia mais me permitir esse amor, embora a minha vida estivesse submetida a dele. Eu que conhecia vários Emanuéis num só, parecia-me agora ver muitos outros ali me esperando.

E assim prosseguir, como era e como sempre fui desde que tomaram a resolução de eu ser sozinha, tão antiga, mas que parecia datar de ontem, porque eu considerava cada dia, um depois do outro, como não chegado. Eu já não era a mesma sob um céu sem nuvens, a música já não embalava os meus sonhos. Fechada as entradas do meu coração, ficar de olhos fechados, desde então, era coisa permitida, praticada, oportuna, assim como guardar sorvetes congelados por causa do calor.
Maria Karina

Efeito Colateral

chaga-mor
ciúmes
perdição
o pensamento único e constante
loucura
te ter sem te ter
insanidade
tudo que te recusa não presta
sintoma
tomo todas
escuridão
a ausência
incêndio
meu corpo
meu gasto
degusto
gosto
gozo
grogue
de você
(...)