sábado, 23 de maio de 2009

Cia. Teatral Farinha Seca encena Mar Lírico de Nelson Rodrigues


Depois de ter seis indicações para o Prêmio Lázaro Ramos, no V Festival Intermunicipal de Teatro Amador (FITA), das quais levou três troféus, que a Cia. Teatral Farinha Seca iniciou, em 2008, o processo de montagem para o espetáculo Senhora dos Afogados, peça mítica de 1947 do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980). Para a montagem, a Companhia optou pelo 3º e último ato – a tragédia é dividida em três -, e lançou mão dos espaços convencionais para experimentar nova linguagem naquele que, talvez, tenha sido o melhor espetáculo do grupo.
Há um mês em cartaz no auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Euclides da Cunha, Senhora dos Afogados surpreende pela inovação fotográfica e lírica. A tragédia, cujo enredo se passa nas proximidades do mar, traz a família Drummond e as sucessivas tragédias que acometem seus membros para o centro da cena. A fidelidade conjugal de 300 anos é abalada em meio às circunstâncias do desejo transgressor nascido entre os membros daquela família tradicional, oriunda de um passado obscuro.

Neste espetáculo, as impressões pessoais de cada espectador se tornam mais agudas em consequência da quebra da quarta parede (assim chamado a divisão entre ator e plateia como se as cenas estivessem se passando no interior de uma sala, de um quarto) e ele, o espectador, é convidado a fazer parte do grupo de curiosos vizinhos que rondam a malograda vida dos Drummond.

O mar – vivo e manipulador -, pois ele é também personagem, alcança seu lirismo quando é posto em cena pelo corpo dos seis atores que formam o elenco. E não basta dizer sobre a força poética da luz, nuançada entre o claro/escuro, vermelho/azul, e da construção da música, produzida pelo canto remoto feminino e, ainda, o som gutural dos ventos que sopram sobre o Café do Cais, onde o 3º ato é ambientado, feito pelos próprios atores.

Para o espectador Inamar Coelho, Senhora dos Afogados deixa a platéia anestesiada. “A farinha seca é composta por alquimistas, já que transformam dificuldade em arte. Aliás, eles respiram arte. Tem que ver. Os gestos, as expressões, as falas, as vozes, a luz, o som, tudo em simetria com a estética que caracteriza a arte. Falar do texto de Nelson Rodrigues só é necessário, neste caso, para mostrar a ruptura operada pela Farinha Seca no sentido de deixar de lado o erotismo e/ou a pornografia, e até mesmo o dramalhão, que vários outros preferiram fazer emergir do texto, para exibir, em um ato, toda a arte possível, nele inerente. Falar dos atores, do mesmo modo, só é possível para elogiar sabendo que as palavras, quase sempre, não serão suficientes. A Farinha seca é um tapa na cara da sociedade: sem teatro, sem apoio, sem verba, sem incentivo, sem platéia, sem... fazem arte da melhor qualidade. Senhora dos Afogados é uma experiência ímpar”, disse emocionado.

A peça é atemporal e moderna, e atravessa a estética rodriguiana com sutileza e radicalidade.

Maria Karina

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