terça-feira, 5 de maio de 2009

O amor e o tempo


Era 08 de agosto de 1996 quando Emanuel Teles de Matos beijou-me pela última vez. Lembro como se fosse hoje. Estávamos na sala de jantar da nossa vila de sentimento e as janelas enquadravam as densas emoções do domingo no parque. Era noite e recordo que soprava um vento chuvoso que mexiam as folhas. Neste dia então, Emanuel que arranjava propositadamente mal as palavras, foi-se. E me deixando sem compreender o que acabara de dizer, despediu-se.

Logo de manhã, com a cabeça ainda voltada para a parede, eu já sabia como estava o tempo. Aliás, foi, sobretudo, do meu quarto que percebia a vida exterior durante essa época. Longos dias e incansáveis noites se passavam sem que alguém notasse o meu estado de espírito. Agonia que matava os meus outros “eus”, sem que ao menos eu fosse consultada. Essa contenção de espírito, essa discussão interior, dava a dimensão desse amor solitário.

Passado alguns meses, cruzando as mesmas ruas, enfim nos encontramos. Fisicamente ele mudara. Seus longos olhos castanhos não tinham guardados a mesma forma, continuava sim da mesma cor, mas pareciam ter passado ao estado líquido, a tal ponto que quando os fechava era como cortinas que nos impede de ver o mar. Não houve somente mudanças de tempo lá fora, ou no corpo modificações de odores, mas sim uma diferença de comportamento. Despedimo-nos sem trocar palavras, fazendo-me assumir o encargo por demais pesado, forçando-me a viver ausente de mim mesma por causa de sua presença contínua, e assim privando-me para sempre das alegrias quotidianas.

Depois, na vida, Emanuel vira que a fórmula apática em que estavam os seus sentimentos, não possuía a mesma força que imaginara. Verificou-se após quatro longos anos, que por mim guardava a mesma doçura, pureza e paixão de outrora. Mas, como sempre foi de sua arte conhecer-se tão pouco a si mesmo, não pude interpretar se havia intervalo verdadeiro entre o que se passou e o momento em que voltava aquele vicioso desejo de me encarar. De maneira, que essas sensações tão minhas conhecidas, com qualidades e defeitos tão nitidamente gravados, entravam em contradição.

Mas, podia eu reencontrar aquela fresca e misteriosa face sem que o meu coração disparasse? Ah... Não mais recordar os solitários dias estendidos a fio em minha cama. Entretanto, os consigo lembrar. E isso, dá-me a impressão de uma repentina mudança, como se estivesse olhando fixamente para um lugar e num piscar de olhos uma flor tivesse sido colocada ali.

Fechando os olhos, perdendo a consciência, ele tinha o meu olhar, as minhas mãos, tinha a mim e o sentimento, o que não se dava quando eu estava acordada. Com efeito, eu não podia mais me permitir esse amor, embora a minha vida estivesse submetida a dele. Eu que conhecia vários Emanuéis num só, parecia-me agora ver muitos outros ali me esperando.

E assim prosseguir, como era e como sempre fui desde que tomaram a resolução de eu ser sozinha, tão antiga, mas que parecia datar de ontem, porque eu considerava cada dia, um depois do outro, como não chegado. Eu já não era a mesma sob um céu sem nuvens, a música já não embalava os meus sonhos. Fechada as entradas do meu coração, ficar de olhos fechados, desde então, era coisa permitida, praticada, oportuna, assim como guardar sorvetes congelados por causa do calor.
Maria Karina

Um comentário:

Saliha Rachid disse...

O texto é lindo, bem escrito e muito emocional.
Maria Karina, como é bom descobri nas pessoas conhecidas dons artísticos que mexem com os nossos eus.

Bjossss