quarta-feira, 26 de agosto de 2009

“Os meus hábitos são da solidão, que não dos homens”

Sucessivas perdas atacam e o grito já não tem sentido impermeável. Pasmo, e ininterruptos soluços se aglutinam. Falta paz. Sobra pão. Recorrentes castigos sobem a ladeira para maltratar um coração que já nem sabe se sente. Fixa a lembrança, descortina o paladar e tudo padece do mal secreto. A flor do mal ¹ pernoita no jardim ressecado, carcomido; esperando em silêncio a hora e o minuto preciso para atacar.

Lentos dias e nada de chegar. Ele não volta. É a punição! Sucumbe e já não há tempo, as ânsias coloridas ainda não se acinzentam: tonalizam o encontro. Procura - sem respostas. É o resultado vexante do clandestino. Pesa, aliás, o tom de possuir, produz-se uma angústia difícil de definir. Amor e dor, amor e sofrimento. O mundo da punição e do sofrimento não foi inventado por DANTE². É o inferno com nove círculos e o purgatório com sete degraus (e em um parêntese o Paraíso).

Mortes continuas se assemelham dentro do fundo. Então, o lícito é afastar-se mesmo que para logo, em seguida, se aproximar. Solicita saída: porta lacrada. Recomeça, redimensiona e tudo é ausência de matiz. Passa, passo, paciência. As horas de ontem já foram anuladas. Angústia: o que agora nele é exposto é o que nela se esconde.

Sua substância insossa, insípida, infantil e inocente lhe era dada mesmo quando a demanda fora sair, correr, esconder. Estava em suas mãos, já frias, porém brandas, ao costume da dor. Não havia como jogá-la ao longe, merecia cuidado, zelo, mesmo no pecado. Mas o ficar, o haver, já tinha traçado a linha, já havia dado as justificativas para o contato com a expiação, como um carimbo com letras garrafais sinalizando o PROIBIDO.

Ficou-se então com o momento presente, período que não há promessa, tempo que é, e que está sendo.

¹ Referência ao livro “As Flores do Mal” (Les fleurs du mal) do poeta francês Charles Baudelaire.

² Alusão à "A Divina Comédia" que foi iniciada em 1308, mas só concluída ao final da vida de Dante Alighieri.

Maria Karina

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

“O perigo muda mesmo de endereço”


“Havia balões no ar”. Chovia e eram dias de festa, embora a dor da ausência estivesse parada ali. Pensava em sorrir, o peito sufocava... A falta acompanhava. Bebeu e se pintou de ninguém. Fantasiada, saiu. Estampa florida enfeitava o figurino de seu carnaval. Foi toda dança. E num compasso marcado: espalmou. O inefável foi pronunciado. Misto de agonias e aleluias. Sofria pela falta do que já foi e alegrava-se com o que poderia vir. Esperava.

E eram folguedos, bombas, rojões. Forró que de braços e abraços se comprimia. O cheiro a incitava, perspectiva para mais. Não podia, recuava. Traçado de bocas jogadas na madrugada. Ele as possuía, as levava para seu quarto sem portas, sem janelas, sem alarde. Por vezes anulava as horas de ontem, mas as escolhidas mantinham intacto o gosto do verde sal.

Colhia as flores, mas repentinamente o cheiro característico de algumas delas se desagregava. Portanto, um enjôo súbito o percorria. Cansaço do nada. Precariedade sem palavras. Voltava a si e de pronto recomeçava: reclamando-se, afastando-se. Queria - já não era negável – ela supunha. Sabiam os dois.

Vegetavam no olhar, escapavam nas premissas, parecia impossível. Por vezes chegavam-se ao desconforto, se despediam. Para passar os dias distantes, ela desconfiava do silêncio e ia remontando paisagens. E ele se aguava de mar, um cheiro de maresia lhe invadia. Levou subitamente o cheiro para ela. Ela o recebeu na estação. Um novo olhar, variada forma e um indefinível beijo a persuadiram num lento acúmulo de séculos. Rios levados ao mar.

Ele tinha fome de ser outro. Ela de mais uma ser. Distraídos, ficaram submersos. Já não podiam mais. Emudecidos, vestiram em silêncio.
Maria Karina