quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O trágico não vem a conta-gotas*


Depois de passar longos dias sem ninguém vê, me deu vontade de escrever uma carta, endereçada a alguém que eu jamais vi, ou a alguém que dormiu dentro de mim ou talvez a alguém que já tenha morrido. Não será uma carta como a de Oscar Wilde (quando preso) à Bosie, mas uma que não tenha pretensão de nada provar, nem de nada dizer. Queria que em um dia qualquer, sem nenhuma especialidade, me devolvessem o belo mundo da cor e do movimento.

Viver sem nada desdenhar, sem dá a devida importância a completa falta de domínio de suas emoções, demonstrados pelos teus longos silêncios mal-humorados e pelos acessos de raiva constante. Libertar-me deste mundo de angústias que todos os dias tenho que passar. Não porque necessito delas, pois a minha vida, o que quer que a mim e aos outros tenha parecido, foi sempre uma Sinfonia de Tristeza. Na verdade, “fui muito feliz, mas completamente triste”. Não podes me culpar de não ter chegado ao todo. Não posso lhe dar mais do que já lhe dei. Tiveste a mim por completo, se é que há completude no amor! O que reivindicas é a minha existência, e sem saber o que ela significa, penso que já lhe dei.

O egoísmo é palavra de ordem. Arre com as dores, com o que de mais doído pode se sentir. É quase impossível para alguns seres reunir em si um amor ativo pelo outro ser que se julga amar, já para outros é visível a capacidade não apenas de compreender, mas de compenetrar-se dos problemas do outro, de vivenciá-los com ele. Quem dera no momento da crise, sempre encontrasse nele a pessoa que soubesse ouvir com atenção e paciência e temesse ferir com sua palavra. Quem dera houvesse um desdobramento do amor e não o ciúme por coisas vulgares.

*Guimarães Rosa [1908-1967]

2 comentários:

Raquel Galvão disse...

quem dera...

Luana Laux disse...

Eu quero uma homeopatia a conta-gotas pro "amodor" do Rosa que vive dentro de mim..