terça-feira, 28 de abril de 2009

A COR E A SOMA DOS DIAS


Amizade que se originou em segundos. Tempo: breve espaço que resolve tudo. Distâncias desatadas como a um laço. Através de um fio a comunicação em pedaços. Enquanto isso, o sentimento advindo da ternura estreita caminhos. Mundos se juntam para tornar o amor possível. E tudo assim, num átimo sem palavras.

Pintar em cores oportunas foi o exercício diário daquela menina de cabelos nas costas e de olhos castanhos. Às vezes parecia perdida entre o tempo que passou e o que surgia. Mas, era visível o seu contentamento com o seu novo amigo. Ele sempre prestativo e atencioso a levava para dançar, e para ela era como se tudo acontecesse pela primeira vez. Depois, os pés exaustos e em bolhas, eram lavados e derradeiramente enxugados por ele como a um bebê. Suas sandálias eram emprestadas a ela e serviam para aplacar a dor do salto. E era assim que os dois desciam até a casa dela: com um número que daria para calçar um pé e meio.

De quando em quando as pessoas da cidadezinha comentavam sobre a maneira em que aquele sentimento se desdobrava. Cogitavam um namoro às escondidas, uma amizade com demasiado interesse, e outras coisas advindas de pessoas que residem no interior. Não é que esses indivíduos que moram em lugares pequenos sejam dados à intriga, mas talvez pelo ócio, eles fiquem suscetíveis aos fatos que acontecem ao lado.

Naturalmente essas maledicências não afetavam o ir e vir dos dois. Brincadeiras eram diariamente realizadas, a tal ponto que talvez isso não tenha passado de subterfúgio utilizado, inconscientemente, para prolongar as horas que atravessavam juntos. Gastavam horas a fio entretidos em algum jogo para evitar o cruzar de olhares, ambos com receio que isso pudesse de alguma maneira afastar um do outro.

Os dias se passavam sem se darem conta, e mesmo o fato dela morar em outro estado não trazia embaraço nem inquietude aos passos. Parecia sim, que essa era uma maneira de saber que a distância era por demais pesada e que a separação se tornava cada vez menos tolerável. Para ela, as coisas ocorridas longe do menino, de sorriso fácil, perdiam significativamente o sentido, como se as paisagens e as emoções longe vividas não trouxessem alegria imediata ao coração.

Como eram apenas bons e novos amigos, flertes e namoros eram desenhos constantes na vida do menino. Ele era belo e, portanto, seus cabelos desgrenhados e sua fala, que continha um sotaque peculiar da região, eram atrativos a mais para a sua ascensão entre as garotas daquela cidade do sertão. Isso decididamente causou certo ciúme na menina. Afinal, as horas que podiam ser compartilhadas entre os dois, eram atiradas junto com bocas e desejos a uma outra pessoa, que nem era tão especial, e que na maioria das vezes era alguém minimamente atraente, ou seja, não existiam essas coisas todas especiais que são necessárias para um e outro ficarem juntos.

Para tanto, era necessário que as coisas fossem, de certa forma, antecipadas. A menina que sempre fora contida na vida cotidiana e abalada em seus sonhos, resolvera sem conjugar alguns verbos declarar sua falta de temor ao frio. Medo que desde os seus sete anos era constante: gélida sombra, álgida aparição, glacial fantasma! Todos os desassossegos atrelados a uma só imaginação.

Mas chegara o momento. Até a noite de terça-feira era quente, e a bebida servia de fundo para os versos impronunciáveis! Insistência para se ouvir o que não se sabe bem se desejava naquele instante ouvir. Pausa. Mais uma vez, seguidas perguntas que remetiam a uma mesma resposta. Mas como responder a um questionamento que vai descobrir a alma, e que há tantos anos está encoberta e secretamente guardada? Desejo de saber mais. Neste momento não dava mais para recuar e “ignorar tudo para não ter o desejo de saber mais”.

Passado instante, o menino diante dos lábios da menina descobre que o amor de certo morava aí. Seguindo o balançar da rede, enfim o mundo abre os olhos. Vontade de cheirar, tocar, beijar o que há muito não era acessível. Na confusão e na calmaria corpos e bocas se misturam até o clarão do dia. Felicidade: placa fixada ali!

Dias, noites, meses e anos unidos. Água de um rio que deságua mar... Vento que envolve e rebenta redemoinho... Amarelo que brinca com mil tons para aclarar sol... Chuva por trás dos montes que traz tempestade... Tudo misturado, confrontado e permutado para somar: Dois. Ternura que não se adjetiva. Remate: Solidão que não se substantiva.

Desencontro, arranque, partida e o fim. Ah, apenas saudade de olhar a flor do jardim agora protegida por muros altos.

Maria Karina
Jornalista e Escritora
Apaixonada por gatos
Euclides da Cunha - BA

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Palmas pra dar Ipobe


Improvisei uma paixão.
"Paixão, EU TE AMO!", disse.
Mesmo gostando só um pouquinho.
Pouco a pouco, delineei A imagem.
Deu em uma pintura do Renascimento.
Inventei a minha própria novela das oito.
Com as mãos estendidas no céu azul do semi-árido, bradei:
“Obrigada, Nossa Senhora dos Amores Inventados, pela graça alcançada!”
O erro.
Não é certo perfumar o inodoro, colorir o preto-e-branco.
E nessa brincadeira de criar verdades, tornei o fosco brilhante.
Acreditei no cintilante de uma invenção.
Eis que, de repente, não mais que de repente, fez-se de espiral o que era linear.
Uma dor muito forte virou desmaio.
A invenção fez-se verdade, o estável, o drama.
A paixão deu as costas, falou que iria embora e foi.
Na ficção, improviso uma vida.
Na realidade, amo e definho.
Sobrevivo, como a próxima vítima do meu próprio folhetim.

*Palmas para dar ibope é uma música de Ednardo, a cena é da novela A Favorita (duvido que alguém não saiba...) de João Emanuel Carneiro, a inspiração também veio da novela A Próxima Vítima (1995) de Sílvio de Abreu, Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral e, no texto, há uma citação do Soneto de Separação de Vinicius de Moraes.

sábado, 11 de abril de 2009

e até os erros do teu português ruim...

"que tanto você insite em me ensinar, hem jornalistinha de merda? que tanto você insiste em me ensinar se o pouco que você aprendeu da vida foi comigo, comigo!"
Raduan Nassar, Um copo de Cólera

Eram as minhas frases, as minhas palavras, as minhas pausas: era ele remetendo o meu sentimento para outra, mudando apenas o nome da assinatura.
R diz:
Que vergonha, hein, rapazinho?
V diz:
Acha que eu sou incapas?
R diz:
Não é que eu te ache incapaz de escrever algo, mas se tem uma coisa que tenho é boa memória. Imagine se eu tivesse patenteado as cartas que te enviei. Capaz de já estar rica... ha-ha-ha.
V diz:
desculpe, R

E com essas desculpas, a promessa do final de semana e a ligação nunca feita (que ainda espero!)

sábado, 4 de abril de 2009

Farrapo humano / Sra. das dores

Fim de tarde, depois do banho, a angústia inevitável. As perguntas existenciais, as desculpas, a vontade de sair correndo sem saber para onde.

Já correndo, no meio da floresta, e me perdendo em vielas de árvores. Com medo, medo, medo, medo, lacrimejando a paz que me foi roubada.

As coisas se movimentam.
A translação da terra em meu corpo.
A marca do abraço tatuada.
O cheiro do perfume que não passa.

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